segunda-feira, 20 de setembro de 2010

O Auto da Barca do Inferno

”O Auto da Barca do Inferno”, obra de Gil Vicente escrita em 1517, representa o juízo final católico de forma satírica e com forte apelo moral. Escrita na transição da Idade Média para a Idade Moderna, a referida obra oscila entre os valores morais das duas épocas, pois ao mesmo tempo em que há uma severa crítica à sociedade, típica da Idade Moderna, a obra também está religiosamente voltada para a figura de Deus, que é uma característica medieval.

Aparecem vários tipos, ou seja, pessoas de diferentes classes sociais, cada uma com características que representam a sua posição na sociedade. Elas se encontram na beira do mar onde estão expostas duas barcas, uma que leva os recém-mortos para o inferno e a outra para o paraíso. A primeira conduzida pelo diabo e a segunda por um anjo. Nestes pequenos barcos, os pecadores são identificados por seus vícios que praticaram em vida, motivo de regozijo para a barca do inferno e de desprezo para a barca do céu. Além das duas barcas há também o companheiro do diabo e mais 14 personagens que embarcarão em uma das barcas, com exceção do judeu, que não é aceito em nenhuma delas, o que expressa o preconceito religioso da época.

Gil Vicente caracteriza seus personagens com símbolos que representam seus pecados. Por exemplo: a alcoviteira Brísida Vaz que traz seiscentos virgos (hímens) postiços representando as virgens que ela levou à perdição e os homens que enganou; o fidalgo que traz o pajem e a cadeira significando luxúria, dentre outros personagens com seus respectivos símbolos pecaminosos, exceto o parvo e os quatro cavaleiros que são os únicos que embarcam junto à barca do céu. O último por sua ingenuidade. Já os cavaleiros por que lutaram nas cruzadas em nome da igreja católica combatendo os “inféis mouros”. Os quatro cavaleiros encerram a peça com um final apoteótico, elevando o nome da igreja católica.

O Auto da Barca do Inferno tem, sem dúvida, a intenção de reformular a moral católica, além de remeter o leitor a profundas reflexões acerca de sua própria condição terrena. A sátira vicentina serve para nos mostrar, tocando nas feridas sociais de seu tempo, que havia um mundo melhor, em que todos eram melhores, no entanto é um mundo perdido, infelizmente, isto é, a mensagem final, por trás dos risos, é um tanto pessimista, já que os “grandes” pecadores não têm perdão e só lhes restam a viagem ao mundo das trevas, o inferno.




 

Um comentário:

  1. Que coisa mais profunda, toca a alma. Isso é lindo. amei.

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