sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Chove. É dia de Natal


Chove. É dia de Natal.
Lá para o Norte é melhor:
Há a neve que faz mal,
E o frio que ainda é pior.

E toda a gente é contente
Porque é dia de o ficar.
Chove no Natal presente.
Antes isso que nevar.

Pois apesar de ser esse
O Natal da convenção,
Quando o corpo me arrefece
Tenho o frio e Natal não.

Deixo sentir a quem quadra
E o Natal a quem o fez,
Pois se escrevo ainda outra quadra
Fico gelado dos pés.

Fernando Pessoa (25/12/1930)


Análise do poema

O poema “Chove. É dia de Natal” de Fernando Pessoa pertence, cronologicamente, ao Modernismo de Portugal, no qual o ideal é romper as regras com a tradição formal. Apesar disso, apresenta-se com a forma fixa de quatro estrofes, cada uma delas contendo quatro versos (quadras, que são características predominantes da poética de Fernando Pessoa), divididos em sete sílabas poéticas (redondilho maior) e possui rimas cruzadas.

Esse poema, dispõe, também, de um ritmo que faz com que a expectativa do leitor, para saber seu final, aumente gradativamente. O autor recorre a elementos do espaço físico, como a chuva e a neve, para dar sentido à sua obra. Ele utiliza um vocabulário simples, mas que não é de tão fácil compreensão por causa da metáfora presente. Exemplo: “Tenho frio e Natal não”.

O “eu poético” diz que chove no dia de Natal, contudo declara que o Norte é o melhor lugar para ficar nesse período, porque lá o frio torna-se pior do que o que já está a sentir: “... Lá para o Norte é melhor: / Há a neve que faz mal, / E o frio que é ainda pior”. Nesses versos podemos perceber a antítese, isto é, a oposição de ideias, isso porque combinaria mais com o espírito deste eu poético que não concorda com o clima de alegria trazido pelo natal.

Nesse dia as pessoas ficam alegres, felizes, porque há a troca de presentes, sendo que a palavra “presente” no terceiro verso da segunda estrofe é ambígua, pois ela assume dois sentidos, podendo significar o tempo presente ou o ato de presentear alguém. Portanto, a festa natalina mesmo sendo uma convenção transforma-se num momento bonito e de alegria que não dá espaço para a frieza da neve porque existe o calor das pessoas que possuem o espírito natalino. Porém, o “eu poético” por não sentir esse calor natalino dentro dele, sente o corpo frio (“... tenho frio e Natal não”) e prefere concluir o poema a não acrescentar outra quadra, o que caracteriza o metapoema, uma vez que no verso “Pois se escrevo ainda outra quadra”, o “eu” que fala faz no poema, um comentário sobre o próprio fazer poético. E faz isso porque com o frio que ele diz sentir, não há, portanto, possibilidade de dar continuidade ao texto.



2 comentários:

  1. pode dizer-me qual é a temática de Fernando pessoa abordada neste poema?

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  2. Querido leitor anônimo, este rico poema de Pessoa não é sobre a chuva, como se poderia pensar pelo título. De acordo com minha humilde interpretação, o poema é sobre a celebração do Natal e a vida solitária do autor.

    Ao lê-lo faz-se Lembrar instantaneamente do poema "Aniversário", de Álvaro de Campos, no qual Campos se lamenta por se encontrar sozinho quando ele ainda era criança.

    Aqui, Pessoa não usa nenhum de seus heterônimos. Já é adulto e se vê, mais uma vez, sozinho enquanto todos se juntam para comemorar a noite natalina. Ele está sozinho "como um fósforo frio".

    Sabemos que Fernando Pessoa viveu sozinho durante quase toda a sua vida. Então, acredito que a vida solitária tenha lhe trazido a inspiração para escrever tal poema numa noite fria de natal, noite na qual ele não podia sentir o calor das pessoas.

    Entre ironia e humor negro, o tema do poema não nos pode deixar de lembrar de "Aniversário" de Campos, pois como este último poema, o primeiro fala de solidão e de frio, mas frio interior, frio da alma e não do corpo. É Fernando Pessoa "ao frio, deslocado, sozinho, em sofrimento."

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